Dignidade, algemas, BBB e outros temas. Quanto vale o show?

Em 2008 , uma grande polêmica fora levantada acerca do uso de algemas em prisões. Vale lembrar que a polêmica só fora levantada – numa coincidência quase mágica muito comum em terras tupiniquins – após a prisão do banqueiro Daniel Dantas (nessas horas e quando toca o REBOLEIXON me dá um orgulhooo de ser baiana…) e do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta. O STF entendeu, que o uso das algemas fere o princípio da dignidade da pessoa humana (certamente não o do pai de família pobre e trabalhador, que mesmo indiciado injustamente e sem oferecer resistência à prisão sai de casa algemado e apanhando.) e só deve ser empregado em casos extremos. As algemas (me desculpem os fetichistas), me remetem à subjugação, a humilhação, a pura e simples demonstração de poder.

E seguindo esta linha de pensamento é que me pergunto o que cargas d’água leva uma pessoa ao Big Brother. As questões de vender a intimidade, passar sob o julgamento popular (julgamento esse, bastante viciado pela edição) já foram amplamente discutidas desde a primeira edição. Mas, me parece que as últimas edições do programa agregaram um novo elemento para atrair a atenção do público: o sadismo. Quarto branco ( esta prova fora apurada Ministério Público por suspeita de tortura, mas a investigação não foi muito longe. Por que será?), algemas (sobre as mesmas, é até irônico pensar que desde 2008 ficou proibido o uso de algemas por tempo excessivo ou como forma de castigo. Mas o que é a lei diante da Globo?), provas de resistência e um sem fim de humilhações transformou aquele programa num grande circo de horror que pode ser acessado a qualquer hora do dia ou da noite. Porém, meus queridos amigos juristas justificarão que há uma aceitação das “vítimas” e a eles eu deixo a questão: será que o consentimento diante do julgamento público, da promessa de fama fácil, a possibilidade de ficar milionário, realmente não fica viciado?  Uma outra questão que me intriga é por que eu não posso vender um rim, mas posso vender minha dignidade. Ambos são direitos fundamentais e indisponíveis e, teoricamente, o tratamento de ambos deveria ser o mesmo. Mas como diria um amigo, a lei não existe. Podemos rasgar todos os papéis, porque o que prevalece são os interesses e as regras do jogo são modificadas a depender de quem sejam os jogadores. Complementando o quadro: jogos sexuais, sussurros suspeitos embaixo do edredon, conversas acerca de temas picantes são outros elementos presentes. Isso porque a TV é uma concessão pública, e deveria servir como instrumento educador, de algum modo. O mundo das idéias é feito de algodão doce!

Tudo isso me leva à questão: quanto vale sua dignidade, sua intimidade? Será que, de fato, todas essas humilhações valem 1 milhão e meio? Teoricamente não, uma vez que a lei trata a dignidade como direito fundamental e por isso ainda que queira a pessoa não pode dispor do mesmo. Mas tudo isso se perde na fumaça dispersa da teoria e das infinitas possibilidades de interpretação da lei, interpretações essas, sempre bastante convenientes. Na prática, certamente vale para quem entra lá. E pelo números que envolvem tal produção, de inscrições e de audiência vale para muita gente, o que nos dá um panorama de em que mundo vivemos. Talvez, nem o “profeta” Silvio Santos tenha conseguido vislumbrar a que nível chegaríamos ao criar seu “Topa Tudo por Dinheiro”. E quando falo de tudo, é tudo mesmo. Tortura, inclusive. O programa Pânico (ao qual tenho verdadeiro asco) usa o estereótipo de mulher objeto para promover todo tipo de humilhação. As moças são submetidas a todo tipo de humilhação. Desde as chacotas costumeiras por sua “burrice” até a mais explícita tortura física. Num país onde a tortura fora fonte de tantos absurdos históricos, a mesma ser utilizada como fonte de diversão banal me faz temer. E mais temeroso ainda é existirem mulheres que abrem mão da sua condição de mulher, da sua dignidade (esta garantida constitucionalmente) em troca de dinheiro e fama. E todo tipo de absurdo é amparado pela senhora dona justiça. A imagem da justiça não poderia ser mais representativa: uma senhora cega com a espada na mão!

Ademais, a representação da mulher como esse modelo objeto/fruta, sem que haja grandes discussões sobre o tema é outro aspecto preocupante. O modelo televisivo é um modelo falocêntrico, machista, preconceituoso e reforçado por muitas mulheres. Me intriga o fato do panorama social apontar para o aumento de mulheres chefes de família e ao mesmo tempo percebermos que essa mesma mulher quer ser “a gostosa” a “toda boa”. E essas mulheres não são apenas as de condições econômicas mais baixas, como se poderia pensar num primeiro momento. Prova disso revista Nova, que tem como público alvo mulheres das classes A e B, economicamente ativas (dentistas, médicas, engenheiras, advogadas…). A tal revista traz sempre em sua capa: “A dieta e roupa ideal para conquistar seu gato, 200 mil maneiras de enlouquecer seu gato na cama, Nova revela os segredos para enlouquecer os homens”, e junto com isso traz dicas de carreira e afins. Ir ao mercado de trabalho, gerir a própria vida, ser chefe de família, parecem ser funções agregadas à obrigação de ser linda, gostosa e um imã de homens. Talvez isso explique a indignação do apresentador do Esquadrão da Moda ao perceber que a moça não queria mostrar o corpo (tema do post anterior). Mas todos esses questionamentos sobre gênero e de suas representações  já sejam tema para um post futuro.

Voltando ao tema: uma sociedade composta por elementos que vendem sua dignidade, sua intimidade e se despem de seus valores  em troca de dinheiro e por outros que consomem vorazmente a humilhação e a dor do outro e querem mais é “ver o o circo pegar fogo”; que leva ao cinema “Bruna Surfistinha”, como se fosse um exemplo a ser seguido, além de levar a mesma moça à condição de best seller da literatura nacional e que traz nas suas representações e expressões tantas outros elementos deploráveis me faz não conseguir vislumbrar horizonte, não consigo imaginar as gerações futuras.  Talvez as profecias estejam certas, o mundo vai acabar em 2012. Se não vai, deveria.

3 comentários sobre “Dignidade, algemas, BBB e outros temas. Quanto vale o show?

  1. Dignidade, ao contrário dos rins, é abstrato. O que para alguns é humilhante, para outros pode ser motivo de orgulho. Por exemplo: Eu considero o fundo do poço da dignidade humana alguém ser fotografado bêbado abraçado a uma garrafa de vodka. Entretanto, os próprios alvos fazem questão de expor suas imagens desta forma como troféu.

    Eu assisto pouco, mas gosto bastante do formato que o BBB tomou. Deixou de ser o monitoramento da convivência entre estranhos para virar um jogo de tabuleiro live action. Se isso fere ou não a dignidade, ao contrário do pai de família violentado, quem está lá dentro tem o possibilidade de decidir.

    1. Existe uma diferença do que se pensa dignidade e o que é a dignidade da pessoa humana. Há uma distância grande entre aceitar e submeter-se, e o que eu vejo em muitos casos é a submissão. A liberdade de escolha fica comprometida quando existem determinados casos, como é o caso do assédio moral: vc quer muito o dinheiro, o emprego e por isso submete-se a determinadas situações.

      Ademais, vc há de convir (como futuro comunicólogo) que a televisão tem um elemento educador e formador de opinião. Transformá-la num circo de sexo e horrores, não me parece cumprir bem a função educativa da mesma. O que acontece na cabeça de uma criança que não tem discernimento suficiente para distinguir certo e errado, captando todas aquelas mensagens? Você gostaria que seu filho crescesse imbuído da máxima “vale tudo por dinheiro”? Se assim for, por dinheiro vale matar, roubar, ferir, trapacear, prostituir… Isso é uma regressão. Se o direito vem como um instrumento de “controle social” e ele está mais cheio de questões morais e abstratas do que vc possa imaginar, não existe, segundo esse seu pensamento, razão de ser. Uma vez que só as questões concretas podem ser passíveis de algum jugalmento. Mas é bom lembrar que, mesmo o que é concreto, está imbuído de questões abstratas. Os negros, num período não tão distante não tinham dignidade suficiente a ponto de ter liberdade. E é possível que muitos deles, aceitassem a situação e mesmo depois de libertos não quisessem deixar de ser escravos. Isso justifica de algum modo a escravidão?

  2. Preguiça de comentar sobre isso tudo. Na verdade, já conversamos sobre isso e, infelizmente, o direito sempre vai andar à reboque da sociedade. Mas do ponto de vista social eu concordo contigo, uma sociedade composta por elementos que vendem sua dignidade por 1 milhão é uma sociedade já doente. Na verdade, lembro de Nietzsche: essas pessoas venderem sua dignidade não é a causa da sociedade estar doente, é o sintoma. Uma sociedade onde as pessoas vendem sua dignidade, e outras milhões assistem como se fosse normal já estava doente há muito tempo. A perda de vários valores e a substituição de outros tantos que levam à isto o que vemos hoje.

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